Adeus.

Naquele dia ele levantou mais cedo que o habitual. Era sábado. Fazia um dia calmo, preguiçoso, com um solzinho morno e poucas nuvens no céu. Nem os pássaros pareciam querer levantar. Ele nem precisou de relógio despertador; depois de tanto tempo acordando cedo seu relógio biológico já tinha há muito se acostumado com essa rotina.
Ele já sabia quando deitou na cama na noite anterior que aquela seria a última vez que dormia ali. Ele estava cansado já, não via a hora de sair de lá. Nunca se deu bem com esse negócio de dormir em cama de hotel; e ele sempre dispensou toda aquela mordomia. Por isso, fazia questão de em toda as manhãs logo ao se levantar arrumar sua cama.
Procurou nas malas jogadas aos pés da cama algo para vestir. Enquanto procurava lembrava de quanto tempo que não saía para comprar roupas novas; aquelas tinham todas sido bem usadas, bastante repetidas. No armário ele tinha deixado reservado o fraque — não que ele achasse que fosse em algum momento sentir a necessidade de usa-lo, mas alguém, ele sabia, ia acabar o convencendo de que suas roupas velhas e surradas não eram formais o bastante.
Separou o fraque e jogou-o sobre a cama impecavelmente arrumada. Procurou algo para beber no frigobar; nunca bebia o que lhe deixavam lá, nem as cortesias — ele sempre se sentiu simples demais para toda essa sofisticação. Mas, como essa era uma manhã diferente, se convenceu a aceitar uma cerveja, só uma lata.
Bebia enquanto se arrumava e pensava em todas as preocupações, que o tinham deixado de cabelo branco, que muitas vezes não o tinham deixado dormir. Todas elas pareciam agora cada vez mais distantes. Essa manhã de sábado era o início de seu primeiro dia de aposentadoria. De agora em diante suas preocupações serão outras, bem menores; suas motivações serão outras, bem melhores. Seus colegas de trabalho agora serão turistas no Caribe ou na Malásia. Embora apreensivo e preocupado, ele se sentia mais leve e feliz.
Antes de sair passou em frente ao espelho e não viu as rugas com que já estava acostumado, nem as olheiras, nem os cabelos brancos. Sentia-se jovem e vivo de novo.
Como as crianças deviam estar ainda dormindo preferiu descer e deixar um recado na recepção. Descia as escadas calmamente, contando os passos; sem as malas, que decidiu deixar para trás.
Na recepção foi avisado que o táxi já lhe esperava lá fora. Quando perguntado se queria deixar um recado para os que ficavam, respondeu que não seria necessário. Eu já lhes disse tudo que importava, pensou.
E foi embora. E antes de sair relembrou e sentiu tudo que tinha vivido ali. Vou sentir saudade.

Um comentário:

  1. Um adeus, sempre cheio e repleto de saudades...
    aliás, o negócio complicado esse de sentir saudade...

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