A História de um Gatinho Branco Chamado Mingau

Era uma vez um gatinho branco. Ele era tão branco, mas tão branco, que era chamado de Mingau – como aqueles mingaus de maisena que só a nossa avó sabe fazer.
Mingau era um gato muito sapeca, vivia fazendo traquinagens; a casa onde morava era um palco para suas aventuras. Mingau se divertia à beça pulando entre as flores do jardim atrás de uma borboleta ou tendo corridas alucinantes contra seu próprio rabo.
Certa vez, enquanto brincava com um novelo de lã – que também era um de seus passatempos prediletos –, ele avistou de longe no jardim uma garrafa. Mingau sempre foi um gatinho curioso e, até aquele dia, ele nunca tinha visto uma garrafa em toda sua vida.
De repente, sem querer, Mingau caiu dentro da garrafa. Ele tinha tentado cheirar a parte de dentro e quando viu sua cabeça estava inteira lá dentro. Ele tentou tirar e acabou se enfiando ainda mais. Por não conseguir sair, Mingau ficou desesperado e, por ficar desesperado, não conseguiu sair.
O gatinho tentou por muito tempo sair e ficou cansado; tão cansado que acabou dormindo.
Quando o sol nasceu no dia seguinte Mingau viu que ele tinha crescido muito na última noite – que nem acontece quando a gente é adolescente. Agora não havia como Mingau sair.
E, então, o tempo passou. Lá dentro, o gatinho sofreu; comia qualquer coisa ou inseto que por acidente caía ali dentro.
Certa vez, veio um ratinho com muita boa vontade que lhe trouxe comida. O ratinho era muito simpático e Mingau com todo seu bom coração aceitou a comida do ratinho. O ratinho, depois de dar pro Mingau aquele biscoitinho cheio de vitaminas, nunca mais voltou. Inexplicavelmente, depois daquele dia Mingau começou a crescer e crescer. Muito rapidamente aquela garrafa ficava muito pequena para o nosso gatinho.
Se viesse um outro rato lhe oferecer comida, Mingau provavelmente não aceitaria. Mas o fato é que o espaço dentro da garrafa acabara. O gato não conseguia mais respirar direito; ele não mais conseguia mover seus músculos; seus ossos quebravam esmagados contra as paredes sufocantes.
Embora gritasse por ajuda, nem mesmo os ratos vieram. O espaço ali dentro acabava e também acabavam suas forças. Esquecido, destituído de qualquer auxílio, ali, no meio do jardim, o gato morreu dentro daquela garrafa.
Seu corpo, entretanto, ainda está lá. E provavelmente lá mesmo permanecerá por muito tempo, até que o vidro se decomponha, para que, só assim, seu corpo possa também se decompor.

4 comentários:

  1. Que triste...
    Tadinho do Mingau *chora*

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    1. Bosta de história malvada, tenho dó desta gente mal amada que usa de uma historia inocente para fazer este tipo de coisa. Vá a merda idiotas!

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  2. Carlos-Dimitri Pierrot23 de novembro de 2009 às 09:14

    Como prometido, eis uma (tentativa de) crítica. Como estou treinando, aplicando, enfim, vendo como funcionam as várias correntes de Teoria, optei por uma análise arquetípica (apesar do conto ter potencial mais do que suficiente para uma psicanálise).

    Uma Garrafa de Mingau

    Um gato de pelagem nívea contrastava com o tom do jardim pelo qual corria. A imagem intensa da cor branca e o local jardim são 'arquetipos', exemplos de temas recorrentes na literatura (se consideramos Frye) ou na nossa própria vida, algo quase primordial (conforme Jung). Aliás, essa última opinião parece mais aplicável no caso, visto que as referências à vovó e todo o segundo parágrafo remetem a uma infância comum, quase que inconscientemente coletiva.
    Finalmente Mingau encontra a garrafa, e "até aquele dia, ele nunca tinha visto uma garrafa em toda sua vida." Aproximando-se brevemente do Estruturalismo de Lévi-Strauss, vê-se nesse trecho um 'mytheme', um exemplo de parte mais pequena para a construção de um mito. O encontro com o desconhecido, a própria curiosidade humana, a universalidade de enxergar ao longe algo completamente novo - essa parece também ser uma daquelas imagens presentes no 'inconsciente coletivo'.
    Em seguida, a cena mantém-se no mesmo tom, apesar do nó dramático ainda não tão rígido (a entrada e permanência na garrafa). Aparece então uma palavra metatextualmente interessante - adolescente. A partir de sua enunciação, confere-se à história, até então infantil, um caráter bem mais pesado - algo que trancende de um episódio ao acaso à significação da própria existência (se pareço hiperbólico demais nesse ponto, deixe-me em breve concluir tal interpretação no último parágrafo).
    E então aparece o signo mais (semantica e literalmente)obscuro da história - a figura do rato. Sem dúvida ressaltado pela 'oposição binária' entre o gato branco e preso e seu antagonista preto/marrom (é possível pensar em outra cor?) e livre, o conteúdo semântico do trecho é extenso e de difícil apreensão. De certa forma, o rato é uma personagem que tanto ajuda Mingau, quanto contribui para seu "fim". O gato analisa tal comportamento quando "se viesse um outro rato lhe oferecer comida, [...]provavelmente não aceitaria". E essa é a 'sombra' de Mingau, sua psique oculta e negra, não seria ele capaz de devorar um novo rato que aparecesse?
    Ainda voltando aos 'arquetipos', vale isolar a frase: "Embora gritasse por ajuda, nem mesmo os ratos vieram". Observe-se o sujeito (nesse caso) oculto, a ausência até das figuras mais degradantes - súplica alguma teria efeito mais poético.
    E finalmente, sobrevem o que há depois da "morte" de Mingau. Comentei atrás, menos de forma explícita do que metafórica, que após a adolescência o tom da prosa mudou, algo como um súbito Ré Maior interrompendo uma música alegre. É que a garrafa era uma gaiola para seu corpo, algo que limitou seu crescimento e ocasionou sua morte quando o gato ainda assim tentou continuar crescendo. A 'persona' do gato, a forma como ele apresentava-se ao mundo, era condicionada pela garrafa em que estava.
    Outra interpretação, igualmente rica em carga semântica, é compreender a oposição corpo de Mingau-Garrafa como uma metáfora para alma e corpo, respectivamente. Se se enveredar por esse rumo, porém, estar-se-á discutindo metafísica e a própria existência humana, que não é o objetivo da análise. O que realmente importa, no final das contas, é encontrar numa garrafa de mingau angústias, dramas e questões essenciais da experiência humana. É compreender a universalidade na Literatura em um exemplo de arte por excelência.

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  3. 1. o comentário do Carlos reprimiu todos os outros leitores
    2. ninguém depois dele leu esse texto

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