Φόβος

A sensação claustrofóbica é aterrorizante dentro de um elevador. O que pode amedrontar mais do que uma pequena caixa de ferro — quando não de madeira! — puxada de baixo a cima por correntes? A caixa é sempre, na verdade, minúscula. O ranger da madeira, os baques assustadores que aquilo dá quando começa ou termina uma viagem, o hesitar da porta antes de abrir quando o elevador chega no destino — que parecem horas para aqueles que anseiam por sair dali; nada disso ajuda o claustrófobo a se sentir à vontade.
Nada como os espelhos. É sempre tão bom abrir a porta do elevador e ter a sensação de que a parede não é o seu fim; como se além daquele espaço palpável tivesse um espaço muito maior que — sem tentar encontrar uma explicação plausível — está, paradoxalmente, habitado por um você que não parece estar tão amedrontado e passa uma aura tranquilizadora.
Mas o elevador daquele prédio era diferente; nele não se via nada de tranquilização. Sempre que entrava naquele cubículo, que se esperava que fosse bem menor do que parecia, ele tinha a sensação de se ter voltado ao caos da cidade, dos carros, das pessoas lá fora. A expectativa de tranquilidade que ele buscava para assim que chegasse em casa era destruída pelos espelhos que não só compunham a parede do fundo do elevador, oposta à porta, mas também as duas paredes laterais. Assim que entrava naquela caixa, vários outros ele entravam junto, refletidos infinitamente ao seu lado. Ele via as pessoas, via seus contornos, mas não conseguia ver seus rostos, que estavam sempre escondidos por trás daquele rosto que, sempre com olhos inseguros e curiosos, olhavam-lhe avidamente nos olhos. Estar naquele elevador era-lhe sempre uma tortura; ele não via a hora em que a jornada acabasse e ele pudesse se ver livre.
Naquele dia, em especial, ele até cogitou subir pelas escadas, mas estava cansado, queria acabar logo com aquilo, queria logo chegar a serenidade do lugar que, absolutamente, é seu. Assim que atravessou o corredor da entrada, depois de ter cumprimentado o seu Alceu, ele apertou o botão de chamar o elevador e balbuciou uma melodia. Cantava uma música de tom alegre, porque sabia que o porteiro psicanalisava cada um de seus movimentos e sabia que todo mundo ficaria sabendo se o fofoqueiro do prédio descobrisse que ele estava ali, na verdade, tremendo de medo, querendo por tudo não entrar naquela caixa de tortura.Entrou no elevador e tentou não focar no que via; assim que a porta se fechou e ele tinha certeza de que o porteiro não mais o via, ele cerrou os olhos com força. Pensou nos tempos de criança, naquela tarde ensolarada em que toda aquela turma de colegas de classe jogavam bola depois da aula; pensou no quanto doeu aquela canelada que certa vez deu na trave e no quanto o barulho das correntes se assemelhava com o som que reverberou no oco da trave e no quanto odiou aquele monte de crianças rindo e de nenhum modo se compadecendo de sua dor. O balançar do chão o deixava desequilibrado, como se sentia quando estava dentro de um ônibus, fez o que pôde para enganar a si mesmo e fingir que aquele monte de pessoas em seu redor eram passageiros do mesmo ônibus e que não eram infinitos — mesmo sendo muito numerosos, capazes de lotar por completo o ônibus, elas são aquele número de pessoas e não passa disso. Foi pensar nisso que o fez não perder a sanidade ali dentro.
Conseguiu sair de lá são e salvo. Saiu balbuciando aquela mesma música — só que desta vez sem o sorriso forçado. O corredor do terceiro andar estava vazio; ele não teve a curiosidade de ver se havia alguém, nunca; ele apenas saía do elevador e seguia em linha reta à porta de seu apartamento.
Dentro de seu apartamento, por todos os cantos, havia letras coloridas de diferentes cores, tamanhos e materiais; grudadas nas paredes, no teto, por sobre os móveis, coladas às lâmpadas; do tamanho de moedas, no formato de sapatos, com meio metro de comprimento. Aquele era um lugar não muito grande; lá havia poucos móveis, justamente por não caber muita coisa; para poder chegar onde queria lá dentro ele precisava se esgueirar por entre todo aquele lixo entulhado. Mas era ali que ele se sentia à vontade. Naquele lugar onde mal cabia ele, onde ele podia pôr as coisinhas que lhe agradavam — e, devido à sua filosofia, agradavam-lhe por completo: ele não precisava de muito pra se sentir satisfeito.
No canto, onde era o que se podia se considerar uma sala de estar, ele se sentou no chão, onde não cabia um sofá, empurrando aquele monte de letras para longe de si. Acendeu um cigarro, pegou o controle remoto e ligou a televisão; sobre sua cabeça, a janela semi-aberta, pela qual jamais poderia ele nem ver a cidade lá embaixo, engolia a fumaça de seu cigarro e guspia pra dentro da sala todos os barulhos lá de fora. Em meio ao barulho das buzinas, dos incessantes motores, do grito inquietante da sirene da ambulância que se aproximava de longe, ele tentava ouvir a televisão. Ali mesmo, no chão, enquanto via o telejornal, ele dormiu. No seu rosto, um sorriso; ele sonhava com as luzes da cidade: dirigindo seu carro, ele via os prédios que completavam o horizonte.

3 comentários:

  1. Tenho a impressão de conhecer essa personagem, não sei porquê... Enfim, o texto é deveras impressionante. Eu vejo todo o movimento como se estivesse junto dela (a personagem). Muito bom! É um narrador observador? (isso é brincadeira, não se irrite)... Até mais ver!

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  2. é muito agoniante. até o momento de tranquilidade dele é opressor. parece um pouco com uma construção de uma tragédia grega - sabemos que ele tem que enfrentar o elevador e que isso é terrível para ele. mas eu não consigo me purgar através da dor dele. porque no fim ele continua em si próprio. doloroso. repetitivo. e sabemos que o dia seguinte será uma nova segunda-feira, como ontem e como amanhã.

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  3. http://rafaelsica.zip.net/arch2011-12-01_2011-12-31.html#2011_12-13_00_14_15-8826220-0

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