as asas do anjo

Meu anjo da guarda estava morto. Ele, bravamente, lutou junto comigo, do meu lado, até o último momento, mas perdemos a batalha. Suas asas foram arrancadas; ele estava todo ensangüentado. Eu estava caída ao seu lado; respirar me doía, um profundo corte de espada sangrava-me no peito. Eu ainda segurava sua mão enquanto tentava me convencer do que acabara de acontecer.
No fundo, de certa forma, eu sabia que cedo ou tarde nos separaríamos, mas era impossível saber quando. Como? Passáramos por provações piores e agora perdíamos. Havia uma expressão serena no seu rosto; eu chorava, eu não queria sair do seu lado, eu não queria que ele me abandonasse.
Não sei quanto tempo fiquei deitada ao seu lado, ainda de mãos dadas. O corte no meu peito cicatrizava. De bem longe eu ouvia meu nome. Senti que o vazio dentro de mim se preenchia. Havia algo mágico naquela voz que me chamava.
Na minha frente surgia a figura de um belo anjo, tão forte e imponente quanto o meu, que morrera. Sentei-me no chão apoiada no braço, que doía; o anjo me olhava nos olhos; tive medo. Ele começou a falar numa língua que eu desconhecia; tentei explicar isso a ele, mas ele não me deu ouvidos. Ele me explicava o que ele viera fazer, pensei; seu tom de voz era de quem sabia perfeitamente tudo sobre o que estava falando; sua voz inspirava confiança.
Quando ele parou de falar, pus-me a pensar. Sem entender uma palavra, eu entendi no que consistia sua missão: ele estava lá por mim. E eu tinha que seguir com ele. Ele estendeu sua mão, ia me ajudar a levantar. Hesitei.
Minha mão direita ainda segurava a mão do meu anjo da guarda morto; eu não ia conseguir deixa-lo.
Meu hesitar durava muito tempo.
Eu não podia solta-lo, minha existência dependia da sua; se eu soltasse sua mão, assim que eu me pusesse em pé meu corpo desmontaria, eu me tornaria um amontoado de pó.
-- Não se preocupe com ele – agora eu conseguia entender o que o anjo à minha frente dizia. – Ele não foi o primeiro e eu não serei seu último anjo.
Eu sabia que, se eu me apegasse ao morto, eu também morreria. Eu sabia que, se eu esperasse tempo demais, esse meu novo anjo me deixaria. Eu sabia que, mesmo que essa não fosse a melhor decisão, eu tinha que seguir com ele, mesmo que logo eu morresse; mas com ele eu poderia ter esperanças.
Apoiei-me melhor no chão e, sem soltar a mão do morto, estendi minha mão esquerda para o anjo que sorria à minha frente. Precisei me esforçar para alcançar sua mão, que parecia estar tão distante. Alcancei. Sua mão estava quente, enquanto a gelada à minha direita.
Foi com muito pesar que soltei a mão do meu velho anjo e, com ajuda do novo, pus-me em pé. Meu corpo não desmontou.
Ao me distanciar do morto, vi que ele respirava. Olhei assustada para o anjo que segurava minha mão. Ele apenas sorriu.
Quando olhei de volta, vi que meu velho anjo não estava sozinho. Uma menina bem pequena com enormes asas brancas curava suas feridas; ele abrira os olhos. Ele estava bem. Asas cresciam novamente em suas costas.
-- Tudo vai ficar bem – disse meu anjo apertando minha mão que ele segurava. – Tudo vai ficar bem.
Senti-me livre. Eu e meu novo anjo abrimos nossas asas e, de mãos dadas, voamos pra bem longe dali. E ainda voamos.


willian

2 comentários:

  1. Que liiiiiiiiiindo! É um poeta! Me dá um autógrafo, pois já sou sua fã... hehe. Booooooooooojs!

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  2. Este é o meu preferido..
    Tu sabe né?!

    Um dia ainda descubro a intenção do autor! ;P

    Beijos, até mais!

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