Janela para um Pensamento Inacabável

Do alto da minha janela eu via as pessoas caindo. Elas nem percebiam que estavam cada vez mais perto do chão; nos seus olhos se expressava uma alegria desmedida. Parecia que eles não faziam ideia de o que era cair; em sua queda livre, eles faziam coisas que se pensassem duas vezes não fariam. Casais casavam-se no ar; alguns homens carregavam enormes cargas de alimento, sem saber que, na água, lá embaixo, tudo aquilo, inclusive eles, seria comida para os peixes, que, mansos, esperavam pacientemente.
Às vezes, sem perceber, eu passava horas prestando atenção no instinto dessas criaturas; parecia que elas eram todas feitas de pano – por isso, vez ou outra, ingenuamente, eu acreditava que algumas delas talvez conseguissem não se arrebentar nas águas geladas lá debaixo ou, pelo menos, não fossem comidas pelo peixes. Nos seus rostos, que se pareciam maquinalmente uns com os outros, expressava-se uma inexpressividade que parecia dizer que, por dentro, mais ainda, eles se assemelhavam a bonecos de pelúcia. O olhar dos cadentes era frio – por mais feliz e amigo que fosse; eles tinham uma auto-confiança de quem sabe tudo e tem certeza que ninguém mais sabe. Eu tenho pena deles.
Na maior parte do tempo, no entanto, eu preferia não assistir a esse – por que não dizer? – maravilhoso espetáculo do tempo; não foi só uma vez que me vi, abraçado aos meus livros que nunca li, enrolado num cobertor de plumas, observando atentamente um ponto qualquer na parede e ali, inerte, permanecendo por horas intermináveis que, para mim, passavam rápido demais.
O barulho das pessoas não me incomodava, mas, de maneira alguma, me era prazeroso. Havia dias em que, por acaso ou vontade do destino, meu estado de espírito me fazia, sem prestar atenção, prestar atenção no quanto me fazia falta ter dias inteiros em silêncio, sem vozes, sem o barulho do vento, sem queixas, sem gemidos: o silêncio, mudo e envolvente, quente e confortante, ao mesmo tempo em que é frio e egoísta. Ao mesmo tempo que eu queria sair de lá, a tempestade de pessoas ganindo lá fora me fazia querer nunca sair de lá. Se fosse fácil, eu já teria há muito tempo, fechado a maldita janela.
Como quem tenta se justificar ou pedir desculpas, quando me surgem forças extras, eu me pergunto se tem mais janelas como essa minha lá pra cima ou lá pra baixo; haveria mais aberrações como esta, que, alienadamente, assiste ao fim do mundo? que usam todo seu tempo para, de olhos fechados, esperar? É sempre nessas horas que me vem a ideia de que, no fundo, não importa quantas mãos lhe são dadas, cada uma dessas criaturas vai, lá embaixo, morrer sozinha, individualmente. Por isso que, sem pensar duas vezes, como sempre antes, juntei-me à massa cadente para procurar uma janela mais próxima do chão; tentei, tentando manter minha consciência, ser uma parte, e não o todo, desse fluxo contínuo de que sempre consegui ver os defeitos. Já esqueci quão esférico eu fui um dia; hoje minha máscara mostra a superficialidade que me esforço aficionadamente para manter firme.
Mas, antes que meu rosto se torne mais um número no meio dessa imensa multidão, eu tento achar um fim pra mim. Queria que, pra me salvar, você enxergasse em mim aquilo que me faz ser diferente desses outros tantos que, na verdade, se parecem, realmente, muito comigo – afinal, essa diferença não é assim tão sutil. Ou é? Olhando profundamente nos seus olhos, tenho a sensação de já ter lhe visto antes em algum lugar.

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