O Espetáculo do Avesso

Já era tarde da noite; aos poucos o relógio chegava à meia noite.
Juquinha era um piazinho que tinha menos de dez anos.
Garoava.
A praça situava-se bem próximo do centro da cidade. Havia muitas árvores.
Juquinha estava sentado no chão, encostado na mureta de um dos canteiros de flores. O cabelo lhe escorria na cara. No seu colo, um diário; ele parara de escrever, a água borrava as palavras – palavras estas que talvez nem mesmo ele viesse a ler.
Na capa do diário lia-se ‘meus pecados’.
Na praça, Juquinha estava sozinho, mas nas ruas ao redor da praça haviam pessoas – várias delas. Todas estavam paradas, imóveis de costas para Juquinha. Algumas das pessoas usavam chapéus como os de Napoleão; outras, sapatos maiores do que os pés; havia ainda alguns que usavam enormes perucas coloridas – suas cabeças pareciam enormes palitos de fósforo.
Ao longe, se ouviam tiros. Explosões que ecoavam nos prédios da vizinhança. Brilhos no céu, que, devido à chuva, lembravam relâmpagos.
Juquinha pegar os gizes coloridos e começava a escrever com a mão esquerda. Como Anne Frank, Juquinha se abraçava ao mundo de seus pecados.
Como vagalumes, as balas cruzavam veloz e ferozmente a praça; de todos os lados, mas sem atingir as coloridas estátuas vivas do outro lado da rua. Zuniam por sobre a cabeça de Juquinha.
À meia noite a chuva cessara, as estrelas brilhavam no céu; talvez uma lua ousasse aparecer. Diminuiu-se o volume do som dos tiros e as explosões pareciam estar a mais de cem milhas.
Sem balas cruzando a praça e zunindo sobre sua cabeça, Juquinha pôs-se em pé.
Como se um botão tivesse sido apertado, as pessoas começaram a se mexer: aleatoriamente. Andavam em círculos, procuravam coisas pelo chão; um olhava no céu com a mão no queixo, como se sua atitude fizesse sentido; um deles, com uma roupa listrada em branco e preto, equilibrava uma vassoura nos dedos.
Ao fim da décima segunda badalada, Juquinha cai no chão. Ele é atingido por uma última perdida e solitária bala, que com sua luz verde zuniu por toda praça antes de atingi-lo. O grito de Juquinha ecoa nos prédios da vizinhança.
O diário, caído no chão, será esquecido por todo o sempre.
Mas Juquinha não morreu!
Ele levanta-se, com passos cambaleantes atravessa a rua e se junta aos outros transeuntes. Seu olhar é vazio, sua maquiagem é branca e há um sorriso pintado em vermelho em volta de sua boca. Seu nariz agora é uma bola vermelha.




willian

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